segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A importância da cidadania e sua expansão em Agente Moral

Entre 8 e 9 de setembro de 2011 o jornal carioca O Globo publicou três notícias que merecem destaque: “Teatro gastou R$ 2 milhões em obras”, “Corrupção nos Transportes já custou R$ 682 milhões” e “Dilma dá ultimato a governadores: ou é nova CPMF, ou não é nada – Sem opções para custear Saúde, presidente quer maior defesa de criação de tributo”.




A primeira reportagem se refere ao incêndio no teatro Villa-Lobos no Rio de Janeiro que, provavelmente em função de uma pane elétrica, literalmente torrou R$ 2 milhões de reais gastos na reforma. Mais lamentável, este é o segundo incêndio no mesmo teatro e o valor citado foi gasto após o primeiro incêndio.

A segunda notícia aponta para irregularidades, como superfaturamento e pagamento de serviços não realizados, somente no Ministério dos Transportes, que causaram prejuízos de R$ 682 milhões aos cofres públicos.

A terceira notícia realça a pressão que o Palácio do Planalto exerce sobre os governadores para ressuscitar a CPMF com o novo título de CSS (Contribuição Social da Saúde), imposto que, quando de sua existência, foi empregado até para aumentar a poupança para pagamentos dos juros da dívida pública, mas nunca para seu real fundamento: melhorar a saúde pública.


Em São Paulo, o Estado de São Paulo de 28 de novembro de 2011 publicou manchete que segue o mesmo rumo das congêneres cariocas: "Sem controle, custo de obras da Copa já subiu R$ 2 bilhões". A reportagem relata a fraude supostamente patrocinada pelo Ministério das Cidades em Cuiabá, que elevou os preços de um projeto de transportes em R$ 700 milhões.

Ora, o Estado, por definição, é incapaz de produzir renda e subtrai os valores financeiros necessários ao seu funcionamento da sociedade, principalmente pela cobrança de impostos, pagos por todos os cidadãos indistintamente. Entretanto, na presença de corrupção, esse fato asume contornos de extrema gravidade. Configura-se como a transferência  de elevados recursos de extensos setores da esfera privada para a pública e o retorno de parte desses recursos para um grupo restrito de pessoas da esfera privada. O modelo genérico consiste em embutir no preço de obras públicas valores ilegais para fins particulares (corrupção, por definição, significa a utilização de mecanismos públicos para obtenção de vantagens de natureza privada).

O que se pretende aqui destacar é a incompetência administrativa e irresponsabilidade social, além da violência cometida contra o princípio da cidadania, quando os fatos citados são cometidos.

O incêndio do Villa-Lobos remete à falta de planejamento, previsibilidade e prevenção no manejo do bem público. O acidente noticiado foi o segundo, provavelmente pelas mesmas causas, qual seja, problemas elétricos. Apenas para se ter uma ideia de como o descuido no trato da coisa pública no Brasil é alarmante, a reconstrução do World Trade Center em Nova Iorque, após os ataques de 11 de setembro, incluiu pesquisas no desenvolvimento de um novo tipo de cimento, três vezes mais resistente que o anterior, com o objetivo de evitar que eventual novo ataque permita a derrubada do prédio. É difícil acreditar na ocorrência de novo ataque, mas tal fato não é impossível. Por isso os cuidados. Já problemas elétricos, infinitamente mais fáceis de previsão e controle, foram simplesmente dados como improváveis de repetição pelos órgãos de controles cariocas. Ou então, não se tem o mínimo respeito pelo cidadão contribuinte e seu trabalho que origina os impostos obrigatoriamente inclusos nos bens e serviços consumidos.

A corrupção desenfreada que assola o País aponta para destruição do princípio da cidadania. Esta não pode significar apenas uma frase inserida na Constituição: A República Federativa do Brasil tem como fundamento a cidadania (art. 1º, II). Mas, se o cidadão não concebe a si mesmo como importante no contexto social, apto e capaz de influir na construção do País onde vive, então tal princípio é letra morta, a exemplo do que ocorre em ditaduras contemporâneas. E é exatamente esse o sentimento que parece imperar na maioria da classe política brasileira atual: o cidadão é, tão somente, o sujeito capaz de financiar, de modo coercitivo, o elevado padrão de vida que dispõem os políticos e os grupos a eles associados. Apenas como exemplo e amplamente noticiado, o aluguel do apartamento do ex-ministro Palocci era de R$ 15 mil, o condomíno de R$ 4.600 e o IPTU de R$ 2.300. Enquanto isso, metade dos brasileiros (CEM MILHÕES DE PESSOAS) vivem com até um salário mínimo (isso mesmo, ATÉ um salário mínimo e NÃO um salário mínimo) e TODOS pagam os impostos que financiam o Estado brasileiro. Em tal contexto, a corrupção ultrapassa os limites do comportamento eticamente condenável para ser tornar instrumento de violência social.

As tentativas de retorno da CPMF apontam na direção de visões que reduzem o fenômeno da vida a bem de mercado. De atributo indissociável da concepção de cidadania, pois somente o cidadão em adequadas condições de funcionamento de suas funções vitais consegue participar e influir na organização social, a saúde é transmutada em bem a ser garantido financeiramente e de forma explícita por cada sujeito . Ao ser exigida contribuição específica, é desprezado o fato de que, dentre os impostos legalmente pagos, está inclusa a parcela referente à manutenção da saúde pública (art. 34, VII; art. 35, III; art. 167, IV da atual constituição). Além do mais, o art. 194 da Constituição de 1988 textualmente estabelece: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (sem grifo no original). Ora, impor a criação de novo imposto, via governadores, é distorcer a vontade popular representada no voto, já que o programa de governo da atual presidente inclui o “aumento dos recursos públicos” para o setor e não o aumento de recursos privados, disfarçados de públicos, sob a rubrica de novo imposto. Parece faltar, neste caso, posicionamento moralmente responsável com a sociedade pois, se os recursos são escassos, que se combata efetivamente a incompetência administrativa e a corrupção na esfera pública, descritas nas notícias acima citadas, transferindo os recursos resultantes para a área da saúde.

Finalizando, não cabe apenas apontar falhas em comportamentos públicos. É preciso que cada cidadão assuma sua parcela de responsabilidade política, cívica e social, pois, se os fatos chegaram ao ponto em que se encontram, é por que, tradicionalmente e por motivos diversos, renunciamos aos pleno exercício de nossa cidadania.

Não basta votar e esperar resultados: o voto é apenas um elemento do sistema democrático. É preciso mostrar aos eleitos o que se espera deles e demonstrar que a natureza de seus cargos não equivale a empregos bem remunerados. Se não têm condições de desempenhar o papel a que se propuseram, que renunciem. A velha e surrada frase “donos do poder” já não encontra lugar em sociedades democráticas, pois pressupõe súditos e não cidadãos ativos.

Também não é factível esperar que qualquer governo, por melhor estruturado e moralmente correto que seja, resolva todos os problemas econômicos e sociais das sociedades complexas contemporâneas, entre elas o Brasil. Requer-se que o cidadão participe ativamente da construção social e no funcionamento das instituições, reinventando a si mesmo, transformando as deficiências e planejando os caminhos a serem seguidos. Tal fenômeno exige a expansão do conceito de cidadania em agente moral, no qual o sujeito racionalmente conhece, age e muda o perfil da sociedade de modo a aumentar o nível do bem-estar geral.

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