sábado, 26 de novembro de 2011

Igualdade natural e igualdade social

A publicação dos dados do ENEM 2010 trouxe ao debate, via mídia, diversos aspectos da realidade social brasileira. Um deles foca o método de trabalho e visão de mundo presentes no primeiro colocado no exame, o Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, que já obtivera a primeira colocação em edições anteriores do mesmo exame. Somente alunos do sexo masculino, particular e até a opinião, por parte de uma professora da USP, de que os métodos adotados pelo colégio “remetem ao século XIX”, foram alguns dos aspectos do São Bento destacados.

Tela do artista E. Raposeiro


Outro elemento da realidade educacional brasileira bastante explorado é a relação custo versus posicionamento no exame ou, em termos de mercado, a medição da eficiência das escolas.


Entre as escolas no topo das colocações, mensalidades na faixa de R$ 2 mil, cerca de 4 vezes o salário mínimo nacional, não são estranhas (entretanto, a qualidade da educação disponibilizada nessas instituições, seja em termos de preparação técnica, inserção cultural e formação do caráter do estudante praticamente não são abordadas).

O debate é extremamente produtivo não apenas na análise da diversidade de opiniões que desperta, mas também no realce de dois elementos da concepção de cidadania hegemônica no Brasil, tomando por referência o trabalho de Angus Stewart (Two Conceptions of Citizenship in The British Journal of Sociology. Londres, v. 46, n. 1, p. 63-78, mar 1995).

Na concepção centrada na relação sujeito-Estado, derivada da Revolução Francesa, a cidadania corresponde a status formal e abstrato em que direitos e obrigações são atribuídos aos membros da nação. Por não se fundamentar em relações sujeito-sujeito, este modo de cidadania é de natureza individualista e privatista, com a identidade comum aos membros da sociedade fundada no uso de uma mesma língua e cultura, por exemplo, e delimitada territorialmente. Sua característica principal repousa na atribuição de direitos ao cidadão frente ao Estado (saúde, habitação, educação, etc), cabendo a este tão somente exigi-los. Encontra expressão nas proposições “igualdade social” e “cidadania social”.

Entretanto, a cidadania se fundamenta em atuações em três esferas distintas: cidadania política, cidadania civil e cidadania social.

O debate sobre os resultados do ENEM se situam no âmbito da esfera civil, fracamente presente nas análises sobre a realidade brasileira, mas de extrema importância no entendimento da concepção de cidadania sob a qual vivemos.

A cidadania civil se funda na capacidade do sujeito atuar sobre, influir e ser influido pelos ambientes social e econômico em que vive. O locus por excelência para ação é o campo das Instituições, representado nas oportunidades de ação e interação com o outro. Nele, o cidadão prescinde da proteção estatal articulada em direitos, mas requer tão somente regras normativas que delimitem o permitido e o proibido.


A expressão “igualdade natural” simboliza este ambiente (todos são iguais pelo nascimento … mas se diferenciam ao longo da vida por seus próprios méritos). A maioria das escolas que obtiveram as melhores colocações no ENEM se situam nesta esfera.

Muitos argumentos podem ser levantados contra a cidadania civil ou a noção de Instituição. Entretanto, é essa a dimensão considerada globalmente nos rankings que classificam as Universidades mais expressivas do mundo, como, por exemplo, The Times Higher Education University Rankings, um dos mais prestigiados. De modo consciente ou não, é também nesta dimensão que se situam as frequentes greves de professores por melhores salários, embora confundidos com direitos sociais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário