quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Uma primeira aproximação ao conceito de agente moral a partir de cidadania

No estudo sistemático de qualquer disciplina, um dos primeiros passos situa-se na configuração do espaço abrangido por ela.


Configurar um espaço significa apanhar no mundo o assunto de interesse e reconfigurá-lo em termos abstratos, identificando e descrevendo teoricamente os objetos que o povoam. A descrição de tais objetos envolve suas caracterìsticas (ou propriedades) e as possibilidades lógicas de interação.


Tela do artista C. Castro

Assim procedendo, adotamos um método, cuja razão de ser não é outra que articular de forma sistemática o conhecimento e permitir que pessoas com as mais diferentes formações culturais, sociais e religiosas possam debater, em uma área precisamente delimitada, determinados aspectos do mundo.


O significado de "uma área precisamente delimitada" é que. linguisticamente, determinados conceitos básicos e seus respectivos objetos de incidência encontram-se claramente estabelecidos.

Na uniformização da linguagem, os conceitos desempenham papel fundamental. Por expressarem ideias devidamente situadas em seus alcances e sentidos, e, por tornarem possível a expressão do complexo por intermédio de combinações sucessivas, legitimam análises de situações pertinentes ao campo objeto de estudo e permitem julgamentos valorativos, como certo ou errado, verdadeiro ou falso.

Entretanto, é comum encontrar-se debates que adotam caminhos alternativos e sujeitam-se aos choques de opiniões. Os julgamentos valorativos derivam, no mais das vezes, de crenças que não encontram paradigma de comparação a partir do qual possam ser declaradas verdadeiras ou falsas, corretas ou errôneas. Não se baseiam, portanto, em conceitos.


Faltam critérios de uniformização dos argumentos derivados de conceitos previamente definidos e estabelecidos. E o mais grave, é estabelecida uma espécie de confrontação entre os debatedores, do tipo “nós e os outros”, em que “nós” representa os debatedores que julgam corretos e verdadeiros seus pontos de vistas, e “outros” são pessoas teimosas ou com visões erradas que não conseguem apreender intelectualmente a correção dos argumentos que “nós”, os “corretos”, defendemos. Mas, em nenhum dos lados, conceitos que situem e norteiem os argumentos são apresentados.

Exemplo extremamente comum situa-se no debate dos aspectos éticos advindos da facilidade de acesso à web via internet. Discute-se os “desafios éticos no uso das ferramentas disponibilizadas pela internet” sem que uma compreensão adequada do que seja cidadania, conceito fundamental para a vida em sociedade, esteja estabelecida.

Ignora-se, assim, um conceito que funda os alicerces do mundo em sociedade: a noção de cidadania. 


Cidadania significa, em termos amplos, aceitar (e respeitar) que o outro não tenha as mesmas crenças que o "eu", que não pense da mesma forma e que não veja o mundo do mesmo modo. Cidadania é, antes de tudo, uma constituição psicológica do indivíduo fortemente influenciada pelas necessidades da existência e de profunda conotação moral (se situa, portanto, muito além da simples ideia de sujeito de direitos).

Tal formulação aparece em noções históricas de cidadania, que pressupõe a capacidade de liderar e ser liderado, passa pela necessidade de segurança pessoal e alcança a moderna concepção de cidadania enquanto autonomia de viver de acordo com leis gerais estabelecidas pelos próprios sujeitos.

Na contemporaneidade, a web, por dissipar as fronteiras geográficas, mudar a noção de distância física e conectar os habitantes de um mundo globalizado, requer a adequada compreensão das três noções de cidadania historicamente estabelecidas: adaptar-se a pontos de vistas divergentes, proteger e manter segura a identidade pessoal e agir civilizadamente de acordo com direitos e obrigações socialmente estabelecidas. Em tal contexto, a web tem tão somente a possibilidade de potencializar e tornar explícitos comportamentos presentes no ambiente social.

Por outro lado, a noção de comportamento moral como princípio da vida social é tão importante na contemporaneidade que é possível vislumbrar-se a evolução da noção de cidadania para a de “agente moral”. 


Agente moral é o indivíduo imerso no mundo dominado pela tecnologia da informação e comunicação, racionalmente conhecedor das características do ambiente em que vive, capaz de tomar decisões articuladas e fundamentadas e emitir correspondentes comportamentos aptos a influírem, de modo ético, na configuração de seu ambiente social (FLORIDI, Luciano. The Philosophy of Information. Oxford: Oxford University, 2011).

Parece razoável afirmar-se que, no Brasil, existe boa vontade em agir-se de forma ética. Mas falta a capacidade de análise crítica dos próprios comportamentos a partir de uma estrutura conceitual sólida sobre o modo como a filosofia moral está presente no cotidiano de nossas vidas.

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